Esta reserva na Amazônia perdeu metade da vegetação. E uma empresa vai pagar para recuperá-la

OESP - https://www.estadao.com.br/ - 01/07/2025
Esta reserva na Amazônia perdeu metade da vegetação. E uma empresa vai pagar para recuperá-la
Área de proteção Triunfo do Xingu, no Pará, é alvo de grilagem e queimadas e recebe projeto pioneiro de concessão para restauração

01/07/2025

Juliana Domingos de Lima

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O Estado do Pará lançou um novo modelo de concessão florestal para recuperar parte de uma área protegida convertida em pasto. A iniciativa será viabilizada pela venda de créditos de carbono e promete gerar emprego e renda para a população local.

O projeto está inserido na Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, unidade de conservação mais desmatada da Amazônia Legal, entre as cidades de Altamira e São Félix do Xingu. A devastação se deve à grilagem de terra, ao avanço da pecuária, à extração de madeira ilegal e, mais recentemente, ao fogo.

Até 2024, a reserva estadual tinha perdido cerca de 48% de sua cobertura florestal original, segundo o monitoramento federal por satélites.

Onde fica a APA Triunfo do Xingu
Área foi concedida por 40 anos para ser recuperada

A APA não é caso isolado de pressão sobre o verde. Sede da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30) em novembro, o Pará foi o 2o Estado que mais desmatou em 2024, apesar de redução de 15% em um ano, segundo dados do Mapbiomas.

A concessão de parte da reserva à iniciativa privada para reflorestamento, permitindo exploração de créditos de carbono e manejo sustentável das espécies, foi "uma resposta estratégica ao avanço da grilagem e do desmatamento ilegal na região", diz a Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará, em nota.

A parcela destinada ao projeto ganhou o nome de Unidade de Recuperação Triunfo do Xingu (URTX) e foi concedida em março à empresa Systemica, que atua na região desde 2022, à frente de outro projeto de conservação.

"Uma das características interessantes das soluções baseadas na natureza é ter um negócio multireceita (apoiado) não só no crédito de carbono, como também na exploração sustentável de produtos como castanha, cacau e madeira", disse ao Estadão Munir Soares, presidente e fundador da Systemica.

O governo estadual afirma ainda que fortaleceu a gestão ambiental da APA, com fiscalização, regularização fundiária e elaboração do plano de manejo da unidade.

Com prazo de até 40 anos, o projeto prevê recuperar 10,2 mil hectares de floresta (10 mil campos de futebol).

Estima-se que a restauração deve capturar 3,7 milhões de toneladas de carbono, o que permite a venda de créditos. Eles garantem a rentabilidade para os investidores e a remuneração do poder público, que recebe R$ 150 mil na assinatura do contrato e pagamento variável de 6% da receita operacional bruta anual da concessão.

O investimento privado foi estimado em R$ 258 milhões ao longo da concessão, e a expectativa de receita projetada em R$ 869 milhões.

"A gente identifica a oportunidade, estuda, estrutura e toma risco junto com investidores, vai até a comercialização do crédito carbono ou de um produto", explica o presidente da Systemica.

Criada em 2006 entre o sul e o sudoeste do Pará, na região da Terra do Meio, a APA Triunfo do Xingu é uma das maiores do País, com cerca de 1,6 milhão de hectares (mais de duas vezes maior do que a Grande São Paulo).

Fica em um dos corredores ecológicos mais importantes da Amazônia, um mosaico de unidades de conservação e terras indígenas, que vêm sofrendo grande pressão do desmatamento e outros tipos de atividade ilegal ao longo das décadas.

São Félix do Xingu - que tem 66% da área da APA - foi o epicentro das queimadas na Amazônia em 2024, além de ser o município com maior rebanho bovino do País.

Já Altamira, onde fica a unidade de recuperação, esteve entre os que registraram maior desmate até 2022, e também um dos municípios mais afetados pelo fogo em 2024.

Desmatamento em unidades de conservação da Amazônia Legal
"A APA reflete fortemente o uso pecuário do território", diz a analista de geoprocessamento no Instituto Socioambiental Thaise Rodrigues, que atua na identificação de pressões e ameaças na Bacia do Xingu.

A área concedida foi grilada e desmatada ilegalmente de 2017 a 2022, e depois reintegrada pelo poder público na Justiça. Conforme a Secretaria de Meio Ambiente do Pará, a escolha do território como "piloto" foi baseada em critérios técnicos: alto grau de degradação, riscos de continuidade da perda florestal, viabilidade de restauração e importância ecológica da reserva.

A pasta afirma que fez o projeto com ampla participação: audiências públicas nos dois municípios em agosto de 2024, que tiveram participação de líderes comunitários, cooperativas, sindicatos de trabalhadores e produtores rurais.

O modelo da unidade de recuperação será replicado em outras áreas da APA Triunfo do Xingu. Segundo o governo estadual, duas novas concessões estão em estruturação, com previsão de alcançar 30 mil hectares restaurados por meio de parcerias com a iniciativa privada.

Quando começa o plantio?
Após a assinatura do contrato, que deve ocorrer até o fim de junho, a concessionária tem prazo de 12 meses para apresentar um plano de restauração ao órgão responsável, o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-Bio).

O documento irá detalhar as técnicas e espécies utilizadas e precisa ser aprovado pelo poder concedente para que os investimentos comecem. Segundo a Systemica, o plano irá combinar restauração passiva (em áreas onde a mata já está regenerando, usando técnicas para ajudar a natureza) e plantio direto, inclusive com uso de drone para enriquecimento do solo e dispersão de sementes.

A infraestrutura necessária para o projeto será construída no ano que vem, e a capacitação e contratação de mão de obra local para atuar nas cadeias produtivas florestais sustentáveis e dar início ao plantio está prevista para 2027.

O projeto promete gerar até dois mil empregos e, segundo o governo do Pará, a empresa "deverá cumprir condicionantes sociais obrigatórias e manter diálogo permanente com as comunidades do entorno".

A política de restauração por concessão também prevê participação da população local na receita gerada pela venda de créditos de carbono e serviços ambientais. Conforme a empresa, parte do dinheiro vai para um fundo destinado a investir em ações desenvolvidas junto com a comunidade.

"O projeto está dentro de uma área pública que tem pequenos e grandes produtores rurais, populações tradicionais, indígenas, quilombolas e ribeirinhas ao redor. A gente espera na medida do possível trabalhar com essas comunidades, construindo com eles uma nova trajetória nesse território", diz Munir Soares, da Systemica.

Modelo fomenta cadeias sustentáveis na Amazônia
Para especialistas, a política de concessão é uma das estratégias que ajudam a barrar invasões e atividades predatórias em áreas públicas, contribuindo para a conservação dos biomas.

O modelo de concessão florestal não é totalmente novo. Ele surgiu no País a partir da lei de gestão de florestas públicas, em 2006.

Na origem, o instrumento era voltado para o manejo sustentável de produtos florestais, como a madeira. Mas, uma alteração na lei em 2023 passou a permitir a concessão de áreas degradadas para a restauração florestal.

"Foi uma mudança significativa, porque abriu a possibilidade de se instalar projetos de carbono em áreas de concessões florestais", diz Leonardo Sobral, diretor florestal no Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). "Isso abre oportunidade tanto para conservação como para restauração florestal".

Sobral enfatiza que a fiscalização não é suficiente para conter o desmatamento na Amazônia, e que é preciso estimular atividades sustentáveis que gerem renda.

"A política de concessões tem o objetivo principal de conservar a floresta, mas através da produção sustentável se ativa uma economia local baseada em sustentabilidade, em critérios legais, para contrapor ao modelo predatório ilegal que está instalado nessas regiões", defende.

As concessões são ainda fonte de receita para Estados e municípios. Em 2024, R$ 27 milhões foram repassados pela União às unidades federativas, sendo a maior parte para Rondônia e Pará, segundo o Relatório de Gestão de Florestas Públicas. Essa verba pode ter impacto significativo em municípios menores.

O governo federal também tem investido nessa política e tem como meta alcançar 5 milhões de hectares concedidos para manejo florestal até 2027. Até agora, foram concedidos 1,3 milhão de hectares, segundo o Serviço Florestal Brasileiro (SFB).

Para restauração, a meta federal é conceder 233 mil hectares. A primeira concessão florestal federal com crédito de carbono como receita será na Floresta Nacional do Bom Futuro, em Rondônia. O SFB aguarda o acórdão do Tribunal de Contas da União para publicar o edital de licitação.

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