Onde o Brasil mais desmata? Mapas mostram áreas críticas no País que vai sediar a COP

OESP - https://www.estadao.com.br/ - 30/06/2025
Onde o Brasil mais desmata? Mapas mostram áreas críticas no País que vai sediar a COP
Amazônia e no Cerrado reúnem a maior parte do território devastado; ministério e Estados dizem reforçar a fiscalização

30/06/2025

Juliana Domingos de Lima, Cindy Damasceno, Lucas Thaynan, Bruno Ponceano e Edmilson Silva

Eliminar o desmatamento ilegal é a principal tarefa do Brasil na corrida para frear o aquecimento do planeta e bandeira do governo Luiz Inácio Lula da Silva.

O desmate caiu em 2023 e 2024, sobretudo na Amazônia, com recuo de 45,7%, segundo dados oficiais. Mas, a quatro meses da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30), sediada em Belém, a destruição na floresta tem nova tendência de alta.

Isso pressiona o País na tentativa de liderar globalmente as negociações para conter o efeito estufa - o desmatamento é a maior fonte de emissões de gases do Brasil.

Além de reforçar a fiscalização, especialistas dizem que os dados revelam a necessidade de medidas diferentes das que já foram adotadas no passado. Recentemente, as áreas mais críticas têm sido o sul do Amazonas e o Matopiba (encontro de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

O Ministério do Meio Ambiente diz atuar na fiscalização direta, principalmente pelo embargo de áreas com desmatamento ilegal, e na articulação com Estados. Uma preocupação da pasta são as queimadas: o governo tem falhado na prevenção do fogo e vem reforçando equipes de brigadistas, dentre outras medidas.

A maior intensidade e frequência de eventos climáticos extremos, como as enchentes no Rio Grande do Sul e os incêndios florestais, são um desafio extra, pois a alternância de secas e chuvas severas piora a perda de cobertura vegetal.

Somado a isso, está o avanço das facções criminosas na Amazônia, o que impulsiona crimes ambientais.

Preservar os ecossistemas também é crucial no equilíbrio das temperaturas e do regime de chuvas das cidades, na qualidade do ar e na agricultura, um dos principais motores da economia nacional.

Cientistas alertam sobre os "pontos de não retorno", limites críticos de devastação dos biomas, cuja recuperação pode se tornar impossível se forem ultrapassados.

Cerrado e Amazônia: campeões do desmate
As maiores taxas de desmatamento estão no Cerrado e na Amazônia, onde a perda de vegetação nativa está ligada, principalmente, à expansão da fronteira agrícola e à conversão para pasto, segundo imagens de satélites.

Em 2024, os dois biomas tinham mais de 89% da área desmatada no País, segundo dados do MapBiomas, rede de universidades, ONGs e empresas de tecnologia. Quase toda (97%) a perda de vegetação nativa no Brasil se deu por pressão da agropecuária desde 2019.

A área devastada no Cerrado foi superior à da Amazônia pela primeira vez em 2023 e o bioma seguiu líder no ano passado, quando concentrou mais da metade do território dizimado no País: 652.197 hectares. A maior parte foi no Matopiba, região marcada pela colheita de grãos, sobretudo soja e milho.

Lucas Costa Beber, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja MT), considera o nível de desmatamento no País nos últimos anos "muito pequeno". E, segundo ele, a agricultura "ganhou grande espaço ocupando o lugar da pecuária", ou seja, não desmatou para expandir.

O Maranhão lidera o ranking pelo segundo ano seguido em 2024. Tocantins, Piauí e Bahia (todos do Matopiba) também estão no top 5.

Em nota, Maranhão, Tocantins e Piauí destacam a redução de perda da floresta entre 2023 e 2024, que afirmam ser resultado de mais ações de prevenção e controle do desmatamento ilegal pelos governos estaduais (leia mais abaixo). A Bahia não se manifestou.

Amazônia: áreas de atenção e ameaça dos incêndios
Na Amazônia, a devastação se concentra principalmente em regiões ao sul do Amazonas e no entorno de rodovias, como a BR-163 (Cuiabá-Santarém).

Reservas no entorno da estrada, como a Floresta Nacional do Jamanxim e a Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu são citadas por especialistas como pontos de atenção.

Isso também vale para florestas públicas não destinadas (terras já assumidas pelo poder público, mas cuja destinação ainda é estudada). O governo federal diz ter dado início ao processo de destinação de mais de 10 milhões de hectares de florestas públicas na Amazônia Legal desde 2023.

Nas unidades de conservação e em terras indígenas, de forma geral, o desmatamento em áreas protegidas caiu no bioma no ano passado.

Para ambientalistas, preocupa também o plano do governo federal de pavimentar um trecho da BR-319, de Manaus a Porto Velho, no coração da floresta, obra que foi questionada na Justiça. O receio é de que o acesso facilite a entrada de grileiros e madeireiros.

O governo tem afirmado que o plano é ter uma estrada-parque, para permitir a preservação. A necessidade de asfaltar a via é defendida para reduzir o isolamento das comunidades locais.

Pará (sede da COP-30), Mato Grosso e Amazonas têm os desmatamentos mais altos, mesmo com redução nos últimos dois anos. Além de tem os maiores territórios, abrigam muitos pontos de atuação agropecuária.

Já Rondônia e Acre são a frente mais recente de expansão desse setor - e também de desmate - batizada de Amacro, sigla que engloba os dois Estados e o Amazonas.

O crescimento sem controle das áreas de criação de gado é uma ameaça, mas especialistas apontam soluções como apertar a fiscalização, estratégias de pecuária "verde" e recuperar pastagens.

A pressão de mercados externos, que cobram rastreamento da "pegada de desmatamento" da carne, faz produtores brasileiros a reforçarem protocolos. Procuradas pela reportagem, a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) não falaram.

Para Suely Araújo, que presidiu o Ibama na gestão Michel Temer (2016-2018), é preciso iir além da repressão ao crime: dar alternativas de renda para as comunidades locais. Em muitos casos, o garimpo ou a agropecuária sem responsabilidade ambiental coopta moradores que vivem em áreas pobres.

Pagar pela preservação de áreas verdes ou a bioeconomia - produção sustentável de açaí ou pesca do pirarucu - são exemplos de estratégias nesse sentido.

E, para piorar, com a crise climática, a floresta pega fogo com mais facilidade, o que pode atrapalhar a trajetória de queda do desflorestamento.

Conforme o monitoramento federal, baseado no sistema de alertas diários do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmate na Amazônia teve altas consecutivas em abril e maio de 2025.

"A partir de julho do ano passado, a gente verificou estabilidade: sobe um pouco, desce um pouco", disse ao Estadão o secretário extraordinário do Ministério do Meio Ambiente, André Lima. "O que a gente está preocupado, obviamente, é com o impacto dos incêndios", completa.

"O que a gente está preocupado, obviamente, é com o impacto dos incêndios"

André Lima

Secretário extraordinário do Ministério do Meio Ambiente

A época mais crítica costuma ser de julho a setembro, no período de seca, que facilita a remoção da vegetação. Em 2024, o bioma teve recorde de focos de incêndio em 17 anos. O aumento nos incêndios causou degradação florestal histórica, e afeta também o desmatamento, segundo o governo.

A degradação ocorre se um fragmento de floresta pega fogo ou sofre extração madeireira. Parte da vegetação se mantém, mas a biodiversidade e a produção de água diminuem. Apesar do dano, a recuperação costuma ser mais veloz do que no desmate - quando há remoção total da cobertura vegetal, deixando o solo exposto.

Secas sucessivas, desmatamento e degradação causada por incêndios anteriores fazem com que pontos da Amazônia queimem mais de uma vez e, em alguns casos, colapsem totalmente.

Avanço do desmatamento
Desmatamento na região Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia), afeta o sul do Amazonas e entorno de rodovias

Cerrado: descontrole no Matopiba
O Matopiba é o principal foco do desmatamento no Cerrado. A vegetação nativa tem se transformado em áreas de cultivo, principalmente de soja e milho, e pastagem.

"Somos contra o desmatamento ilegal, é uma mínima parcela que pratica isso"

Lucas Costa Beber

Presidente da Aprosoja MT

"É uma mínima parcela que pratica isso (desmatamento ilegal). A grande maioria faz de acordo com o Código Florestal mais restritivo do mundo", diz o presidente da Aprosoja MT, Lucas Costa Beber.

Segundo Ane Alencar, diretora científica do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e coordenadora do Mapbiomas, o desmate no Cerrado acontece principalmente em áreas de uso privado. É difícil saber se são efetivamente privadas, já que a inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR) é autodeclaratória e pode incluir áreas griladas.

Além disso, o Cerrado tem menor porcentagem de áreas sob proteção integral no País: só 9% são legalmente protegidos com unidades de conservação.

Difere da Amazônia, onde grande parte está em parques, áreas de preservação e terras indígenas. Prejudica ainda a falta de controle sobre autorizações de desmatamento legal, dadas pelos governos locais.

Conforme o Código Florestal, a cota de vegetação nativa a ser preservada pelos proprietários é de 35% em áreas de Cerrado dentro da Amazônia Legal, e 20% no restante do bioma. Na Amazônia, essa porcentagem mínima, chamada de reserva legal, é de 80%.

Mesmo dentro dessa cota, porém, a lei exige aval para desmatar. A autorização normalmente é emitida pelos órgãos ambientais estaduais e, somente em alguns casos, federais.

Para Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, os Estados "deveriam ser mais rigorosos na emissão das autorizações de supressão de vegetação nativa", e só concedê-las a proprietários rurais se for "absolutamente necessário", obrigando-os primeiro a recuperar e usar áreas já abertas para agricultura e pecuária.

Estudo divulgado em 2024 pela Climate Policy Initiative, grupo vinculado à Pontifícia Universidade Católica do Rio (CPI/PUC-Rio), aponta descontrole na emissão das autorizações, principalmente no Matopiba. Segundo a análise, isso é favorecido pela falta de transparência das informações e de ferramentas de gestão adequada.

Líder de desmatamento
Região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) concentra o desmatamento no Cerrado

Em nota, Maranhão e Tocantins destacam redução no desmatamento em 2024 - 33,6% e 34%, respectivamente.

O Maranhão atribui a queda ao seu plano de prevenção e controle e aos programas Maranhão Sem Queimadas e Floresta Viva, de recuperação de áreas degradadas, além do fortalecimento da fiscalização e da regularização fundiária.

Já o Tocantins cita um novo grupo de trabalho antidesmate, o Pacto pelo Desmatamento Ilegal Zero com o setor produtivo e a suspensão de mais de 400 CARs com irregularidades como medidas, além de painel de monitoramento para "ampliar a transparência e a gestão ambiental".

O Piauí, que registrou o maior evento de desmate detectado em 2024 (de 136 km², mais de três vezes o tamanho de Olinda), menciona "ações firmes de fiscalização" e diz aperfeiçoar a gestão florestal, incluindo normas e tecnologias de validação de registros no CAR.

Um zoneamento ecológico econômico dos Cerrados, em fase de conclusão, definirá "novas áreas prioritárias para conservação", diz o Estado, que diz divulgar em seu site dados públicos sobre autorizações, licenças e embargos.

Desde janeiro, decisão do Supremo Tribunal Federal obriga Estados e municípios a usarem o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), gerido pelo Ibama, para autorizar a supressão de vegetação.

Uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente, prevista para as próximas semanas, também deve tornar mais rigorosa a emissão dessas autorizações, segundo o Ministério do Meio Ambiente.

https://www.estadao.com.br/sustentabilidade/onde-o-brasil-mais-desmata-mapas-mostram-areas-criticas-no-pais-que-vai-sediar-a-cop/
Florestas:Desmatamento

Related Protected Areas:

  • UC Triunfo do Xingu
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.