Os desafios da educação não-presencial em comunidades tradicionais da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns (PA)

Amazônia Real - http://amazoniareal.com.br/ - 21/09/2020
Ensino remoto continua sendo uma alternativa inviável para comunidades que não possuem energia e acesso à internet banda larga (Foto de Tainá Aragão/Amazônia Real)

A educação online transformou-se em uma das alternativas à continuidade do ensino-aprendizagem formal frente ao cenário de novo coronavírus, desde que a pandemia chegou ao Brasil, há mais de seis meses. Mas, essa configuração que tenta abranger a "nova normalidade", não tem alcançado todas as realidades sociais, econômicas, étnicas e culturais brasileiras. O Conselho Nacional de Educação (CNE), vinculado ao Ministério da Educação, homologou neste mês de setembro uma recomendação sobre a volta às aulas através de um modelo híbrido de ensino, em que parte das atividades seria presencial, e outra, à distância. Este modelo, contudo, tem se mostrado excludente para comunidades tradicionais da Amazônia, como é o caso da região do baixo rio Tapajós, no Pará, devido à falta de acesso à infraestrutura básica para a viabilidade desse novo formato de ensino proposto.

Grande parte das comunidades indígenas e não indígenas que vivem na Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns. Aproximadamente, segundo dados do Instituto Chico Mendes (2012), 4.581 pessoas vivem no território, composto por 13 povos, 70 aldeias e 19 territórios indígenas, além das comunidades ribeirinhas tradicionais. A Resex fica localizada na região conhecida como Baixo Tapajós, entre os rios Tapajós, Arapiuns e Amazonas, onde a principal fonte de renda é o turismo.

Em algumas aldeias da região, os professores indígenas estão organizando, junto aos pais, atividades voltadas aos educandos, para estimular o letramento e a continuidade do processo educativo, mas todas as atividades escolares estão formalmente suspensas desde 17 de março, sob Decreto no 079/2020 implementado pelo município de Santarém. Frente a esse contexto, os professores estão em reformulação de seus planejamentos e construindo estratégias para o retorno não presencial.

Desde março, quando o Brasil se tornou o epicentro do vírus, resultado da falta de gestão governamental adequada para a atual crise epidemiológica, o cenário educacional também foi afetado com a paralisação das escolas, em especial as públicas. A pandemia surgiu e acentuou a crise de aprendizagem histórica no país, que tende a ampliar ainda mais as desigualdades e lacunas educacionais existentes, principalmente para comunidades que ainda não possuem acesso à energia elétrica e internet.

Perigo de contaminação persiste

Para o gestor indígena do povo Kumaruara, Kenned Lima, que coordena duas escolas indígenas na Resex Tapajós-Arapiuns, nas aldeias de Vista Alegre e Mapirizinho, localizado a 4 horas de Santarém (PA), não há alternativas de volta às aulas dentro da realidade das comunidades em que atua, tanto pelo perigo iminente de contaminação e falta de proteção adequada para os profissionais da educação e comunidade.

"De modo geral, todos estamos no mesmo barco: não sabemos como lidar com os alunos, não temos kits de higienização, segurança. Para nós fica inviável ter essa questão de aula online. Nós temos energia, mas mantidas por nós - aldeados - por meio do motor a diesel, e é por um tempo curto, ligamos somente de noite, das 18:30 às 22:30. Nas escolas que trabalho nenhuma das duas possui energia, nem fotovoltaicas (solar)... e nem computador. Por isso, paralisamos totalmente, estamos aguardando uma posição da Secretaria de Ensino Municipal e do Ministério Público de como e por onde retomar a escola", relata.

A poucos quilômetros dali, na comunidade ribeirinha Suruacá, apesar das mesmas condições precárias na estrutura escolar, a comunidade resolveu retomar o ensino remoto (não online), em agosto. A metodologia aplicada conta com a ponte presencial entre professores e pais para apoiar remotamente a aprendizagem dos estudantes da comunidade. Essa alternativa encontrada pela comunidade ainda não consegue abranger a totalidade dos estudantes, tanto pela falta de possibilidade de alguns pais para o acompanhamento diário de seus filhos, quanto à falta de energia, internet e aparelhos eletrônicos para facilitar a assimilação do conteúdo por parte dos estudantes.

Mere Terezinha Avinte preside a Associação Comunitária do Suruacá e expõe as fragilidades desse modelo de ensino. "Eu acho muito frágil, eu tenho um filho na escola, eu vou buscar os exercícios para ele, copio todo o comando do trabalho à mão para meu filho estudar, a escola não tem impressora e tenho que explicar um conteúdo que também estou aprendendo. Para mim é bem complicado, porque eu tenho responsabilidades com o meu cultivo na colônia, com esta associação, e agora com o tempo para ensinar ele, não vejo qualidade", desabafa, apesar do seu esforço.

Doralice Lima, da mesma comunidade, possui três filhos (7, 12 e 14 anos) na mesma modalidade de ensino remoto. Sua maior dificuldade é balancear o tempo entre os trabalhos da sua roça e de acompanhamento dos seus filhos em suas respectivas séries. "Eu tenho que ficar mais na vila, que é mais próxima à escola, para conseguir acompanhar os trabalhos, e deixo as coisas paradas na colônia (seu cultivo de subsistência). O mais complicado é ensinar a Clarisse, minha filha de 14 anos, porque o dela é mais puxado e muitas coisas eu não lembro, então o professor me explica a matéria quando eu vou buscar os exercícios da escola e depois eu tenho que ensinar ela. É muito difícil, porque muitas vezes eu não consigo passar o conteúdo e ela fica sem aprender", explica.

Perspectiva indígena

A Coordenação de Educação Escolar Indígena (CEEI), no município de Santarém, iniciou nesta semana uma consulta aos pais de educandos nas aldeias para entender como as comunidades escolares indígenas recepcionam a volta às aulas e quais são as estratégias viáveis para minimizar o déficit de ensino até o momento. O resultado qualitativo desse levantamento está previsto para ser analisado até o fim deste mês (setembro).

Iara Ferreira, da etnia Arapyun, é a atual coordenadora de Educação Escolar Indígena no município de Santarém e está à frente desse processo de consulta às comunidades, para ela a consulta indicará os caminhos necessários para a readaptação da escola à nova configuração social, mas o descaso governamental com a educação indígena ainda é evidente. "Os pais vão dizer o que é melhor para seus filhos nesse tempo pandêmico, onde vemos o medo e a insegurança das pessoas por não haver cura ou um tratamento ao COVID-19, considerando nossas infraestruturas escolares e todas as suas especificidades locais. Apesar disso, sabemos que são muitas as dificuldades, além da escassez de recursos financeiros para efetivar as políticas de direito. Ainda passamos pelo desrespeito da invisibilidade governamental e os preconceitos que existem", afirma.

Na Resex, a região do Tapajós contém 19 escolas indígenas e, na região Rio Arapiuns, 22 escolas, abrangendo 52 comunidades tradicionais da região. Ao todo, cerca de 2.700 educandos indígenas estão tendo sua educação comprometida pela falta de acesso e de possibilidade para o ensino remoto.

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