Especulação compromete áreas ambientais do DF

www.comuniweb.com.br - 21/12/2007
O status de Brasília como cidade bem planejada, voltada para o homem e favorecida ambientalmente, está ameaçado pela especulação imobiliária e pelo crescimento urbano desordenado, além do aumento da demanda de trânsito próximo às unidades de conservação com a criação do anel viário de 321,6 quilômetros.

A perspectiva é apontada pelo biólogo e pesquisador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Mauro Ribeiro. O estudioso afirma que Brasília é alvo de importantes discussões no exterior, principalmente na Europa.

"O grande sonho de consumo deles é uma cidade como Brasília e eles têm muito dinheiro. Nós temos nas mãos essa cidade com diferencial, mas não estamos valorizando e estamos perdendo. Só que, quando a gente perder, não vai ter o dinheiro que eles têm para consertar todos os problemas decorrentes dessa perda", avalia.

Mauro destaca que, até do ponto de vista econômico, o que está acontecendo com Brasília é "um crime, um tiro no pé". Para ele, a grande vilã do crescimento desordenado e dos prejuízos ambientais é a especulação. "Só quem está ganhando com isso é a especulação. Cria-se a falsa ilusão de uma grande demanda por residência, mas na verdade estão é inventando essa demanda para especular."

Betânia Tarley Porto de Mato Góes, gerente do Centro de Estudos Ambientais do Cerrado, que abrange a área conhecida como Reserva Ecológica do IBGE, informa que o terreno do IBGE, cuja proximidade contará com trechos do anel viário, faz parte da APA Gama/Cabeça de Veado e que o crescimento urbano no entorno dessa unidade de conservação é um problema sério que inviabiliza a manutenção da flora e da fauna nativas. "A consolidação do anel viário no entorno das unidades de conservação se manifesta como mais uma forte pressão negativa sobre o cerrado brasileiro", avalia a gerente.

O pesquisador do IBGE Mauro Ribeiro ressalta que as grandes cidades do Brasil estão fazendo seu anel viário. "Ele tem uma vantagem, do ponto de vista urbano, porque desvia o trânsito de caminhões pesados do centro", analisa. No entanto, por considerar Brasília uma cidade diferente, Mauro acha precipitado construir um anel viário agora, visto que nem mesmo São Paulo tem ainda seu anel viário completo.

"Será que precisava de um anel viário aqui? Tudo bem, desviar o trânsito do centro é sempre interessante, mas não precisa construir um anel de verdade porque tem uma série de implicações", pondera.

A preocupação do pesquisador é que a obra envolve a duplicação de vias e o traçado do anel viário de Brasília envolve as principais unidades de conservação do Distrito Federal, a exemplo de Águas Emendadas, Parque Nacional e a APA Gama/Cabeça de Veado. "Um anel viário é indutor de mais demanda de trânsito e quanto mais trânsito, mais atropelamento de animais, o que já é muito forte no DF e vai se tornar mais forte ainda", comenta. Outro problema atinge diretamente os animais. Quando duplica a via, fica mais difícil de os animais acessarem outras áreas.

Mauro Ribeiro também alerta para as implicações nos recursos naturais. "O anel viário induz as pessoas a começarem a fazer posto de gasolina do lado, e posto de gasolina pode ter vazamento e complicar a questão dos recursos hídricos, porque estamos em região de cabeceira. Aqui na reserva do IBGE por exemplo tem várias nascentes", destaca. Mauro observa que o lençol freático é o mesmo de um lado a outro da pista e que um posto de gasolina pode contaminar o lençol freático.

Em relação à demografia, ele destaca que a estrada vai induzir não só a chegada de postos de gasolina, mas também de comércios e mais população. "Rapidamente vai ter especulação imobiliária crescente, com surgimento de novos bairros, e aí as unidades de conservação, que estão ficando cada vez mais ilhadas, vão se tornar de fato ilhas", alerta. O pesquisador explica que uma unidade de conservação quando fica ilhada por zonas urbanas, ou até mesmo por zonas agrícolas, vai parando de funcionar. "É como se pegasse qualquer órgão do corpo e isolasse. Ele precisa das outras áreas."

Mauro atenta para o fato de o isolamento ir matando a área e afirma que essa observação não se trata de exagero, mas de comprovação científica constatada em diversas áreas do mundo. "Esse é um processo que acontece sempre. É recorrente. Então, aqui não vai ser diferente. As áreas estão ficando cada vez mais isoladas", completa.

Preservação das reservas

Segundo o pesquisador do IBGE Mauro Ribeiro, a única saída estratégica da área que envolve a reserva do IBGE e a APA Gama/Cabeça de Veado é pela Área Alfa da Marinha. No local, o plano é constituir um corredor ecológico entre a APA Gama/Cabeça de Veado e a APA do São Bartolomeu. Esse corredor deve subir pelo Rio São Bartolomeu até Águas Emendadas.

De Águas Emendadas, um outro corredor, não na rodovia, mas por baixo, pela APA Cafuringa, uniria com o Parque Nacional de Brasília. "Então, assim, as três grandes unidades de conservação do DF ficariam unidas por corredores. Isso é essencial para que elas continuem funcionando", avalia Mauro.

Apesar da solução apontada para preservar as unidades de conservação, o estudioso lamenta que o avanço acelerado do crescimento urbano está interrompendo qualquer possibilidade de constituição de um corredor.

"Se sai esse anel viário e os loteamentos que estão previstos em frente à reserva, mata a possibilidade de um corredor aqui. Já estamos isolados pelos outros lados porque de um lado, lá nas cabeceiras, é a rodovia que vai para Belo Horizonte, de outro, tem o Park Way, Brasília, o aeroporto e tal. Assim, a única saída é a via Área Alfa da Marinha. A saída em frente ao IBGE já virou território de condomínios", explica.

População pode vir a pagar mais por alimento de pior qualidade

Apesar de o homem não perceber diretamente, as áreas de conservação são essenciais para o bem-estar humano nas cidades. Elas trazem uma série de benefícios climáticos, de abastecimento e de suporte para toda a produção humana. "O homem esquece disso. As pessoas têm que comer e comem coisas que eram vivas, coisas biológicas, ou plantas ou animais. Então, ou a gente caça ou a gente produz através da agricultura e criação de gado, por exemplo", reflete o pesquisador Mauro Ribeiro.

Para possibilitar essa produção, é preciso ter disponíveis áreas bem conservadas que tenham as matrizes. Então, quanto mais o ambiente for deteriorado, mais o solo vai se degradando e até mesmo a produção fica comprometida.

"Para continuar produzindo, torna-se necessário manejar mais, tem que gastar muito dinheiro, colocar adubo, fertilizante, substâncias tóxicas. Encarece a produção, o consumidor paga mais caro e por um produto cada vez de pior qualidade, porque contém agrotóxicos e um monte de coisas que vão fazer mal à saúde", alerta o pesquisador, que também é biólogo. Ele chama a atenção para o fato de que, com a degradação cada vez maior do solo, chega-se a um ponto em que ele não produz mais nada e então o homem abandona aquela terra e vai abrir nova frente para produzir.

"A gente esquece que o planeta é finito. Só temos um planeta. A gente não vai perceber isso porque para quem está aqui agora é só ir mais ali para o lado. Degradou aqui? Abre nova frente ali. Mas vai chegar um momento em que não vai ter mais frente para abrir", destaca.

Mauro Ribeiro lembra que, antigamente, quando era preciso abrir novas frentes de produção, existiam áreas contínuas muito grandes que amorteciam os problemas, que eram pontuais. Hoje, o que está se tornando pontual são as áreas contínuas, o resto está degradado.

"Nós já invertemos essa lógica. Quer dizer, uma coisa é ter grandes áreas contínuas com áreas pontuais degradadas, que o efeito é muito local. A outra coisa é o inverso. Hoje nós temos alguma áreas pontuais de conservação e uma grande área devastada. Os efeitos disso para o controle climático e para a produção biológica são devastadores".

Patrimônio duplo da humanidade

Mauro Ribeiro destaca que Brasília tem o privilégio de ser uma das "raríssimas" cidades do mundo que é duplamente patrimônio da humanidade: ambiental e cultural. "Isso pode parecer só um status para pendurar na parede, mas não é".

O fato de ser reconhecida como patrimônio cultural da humanidade, para Mauro, quer dizer que a cidade tem um espaço humanizado, bem planejado, enquanto ser patrimônio mundial ambiental quer dizer que tem-se áreas naturais que melhoram o estado da área urbana. O problema é que a área urbana de Brasília vai se deteriorando à medida que vai-se acabando com o cerrado em volta.

"A gente não percebe isso, mas vai se deteriorando, o clima vai ficando mais quente e tudo se complica. Sem contar com as belezas cênicas. Pode parecer bobagem, mas, quando você está cansado, olha para o horizonte e vê aquele verde lá, você pode nem entender nada e nem gostar, mas descansa a vista e repousa. Se você olha para o outro lado e só vê prédio, prédio, prédio, casa, casa, casa, é outra coisa. Essas coisas que a gente nem percebe têm efeito violento na cabeça da gente", comenta.

Ele não vê vantagem na política desordenada do território implementada no DF. "Ninguém está querendo dizer que não tem que ocupar o território, mas tem que ocupar ordenadamente", frisa. Explica que há áreas que podem ser ocupadas e áreas que não podem. O negócio é ter um equilíbrio de prioridades para se ter um bom desenho de Brasília, em que mescle áreas
produtivas, áreas urbanas, áreas conservadas, para que tudo funcione bem.

"Quer dizer, as áreas conservadas têm que continuar cumprindo sua função, enquanto as áreas produtivas possam cumprir sua função de produção e as áreas urbanas também possam cumprir sua função de bem-estar humano. O que a gente quer é isso, esse equilíbrio entre esses três grandes espaços, que não está tendo. O DF tinha isso e está perdendo", conclui.
UC:Geral

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