Jureia ganha plano de manejo

A Tribuna, Cidades, p. A11 - 22/03/2009
Jureia ganha plano de manejo
Iniciativas estabelecerá parâmetros que regularão atividades desenvolvidas na unidade

Pedro Cunha
Da Redação

Nas fimbrias da Estação Ecológica Jureia-Itatins (EEJI), eles desenvolveram uma cultura rica e única. Por anos, morar em um paraíso na terra lhes custou duras provações, impostas pelas restrições ambientais. Mal puderam cultuar seus ancestrais, enterrados em um cemitério à beira-mar, aberto entre a vegetação baixa e densa do jundu, marcado por cruzes encobertas pelo limo. Pouco lhes foi permitido pescar ou plantar, comprometendo não só a sobrevivência da carne, como também de suas tradições. A viola iguapeana, cunhada na alva madeira de caxeta, quase se calou, diante dos impedimentos ao acesso de convidados para os fandangos.
Agora, finalmente, os moradores tradicionais da região, conhecidos por caiçaras, finalmente têm sua voz respeitada, ao lado de ambientalistas que defendem a riqueza natural da reserva- Isso, ao menos, é o que o Estado promete, ao iniciar, após mais de duas décadas de espera, as discussões sobre o plano de manejo do Mosaico de Unidades de Conservação Jureia-Itatins, como a antiga EEJI passou a ser designada a partir de 2006.
A existência de diferentes demandas, porém, torna a questão complexa. Os debates iniciados neste mês, embalados em uma longa pesquisa científica que resultou em mais de 1.500 páginas de relatórios, só devem terminar em dezembro, para quando está prevista a conclusão do plano de manejo. Só depois cada personagem saberá exatamente o que pode e o que não pode ser feito dentro do mosaico.
PROCEDIMENTOS
Responsabilidade constitucional do Estado, a elaboração do plano de manejo das unidades de conservação está a cargo da Fundação Florestal, que, para assegurar um trabalho embalado, contratou a Engenharia da Unicamp, pela reconhecida capacidade no setor, e o Instituto Socioambiental (ISA), em razão da experiência com comunidades tradicionais.
Conforme esclarece o secretário-executivo do ISA, Nilto Tatto, o plano de manejo é importante para a conservação ambiental, mas também serve para regular as atividades de quem vive dentro das unidades e em seu entorno. "Sua elaboração é urgente porque boa parte dos conflitos históricos da Jureis tem a ver com a falta de clareza sobre as regras na relação dos moradores com o Estado. E nosso papel é ajudar a conduzir um processo participativo".
Segundo ele, o plano em discussão na Jureis prevê também uma inovação, "que fará com que ele não fique no armário": a elaboração de projetos específicos. "Ou seja, como parte integrante do plano, que tem força de lei, existirão projetos nos quais o Estado terá outra postura, sendo obrigado a implementar ações concretas do ponto de vista da conservação e do desenvolvimento das pessoas".
Com isso, ele acredita que a comunidade passará a ser vista como parceira para a preservação, incutindo uma mudança cultural no Estado, que tradicionalmente cuidou das unidades com polícia e fiscalização.
PARTICIPAÇÃO
Assessora técnica da Diretoria de Operações da Fundação Florestal, Kátia Pisciotta diz que o plano de manejo é um instrumento de gestão que precisa ser elaborado com todos os envolvidos sendo protagonistas.
Ela explica que a intenção da Secretaria de Meio Ambiente é fazer um plano de manejo para o sistema de unidades de conservação do Estado como um todo. "No caso da Jureia, a configuração de um mosaico traz mais complicações, pois há diferentes categorias de unidades, com objetivos e possibilidades de uso distintos, mas gestão conjunta".
De um lado, o plano será composto por diagnósticos feitos por pesquisadores, que tentam retratar a riqueza existente na Jureia. Ao mesmo tempo, buscará se adequar ao saber tradicional, por entrevistas já realizadas e, agora, em oficinas com as comunidades. "Vamos juntar essas informações, levando em consideração, ainda, as leis existentes".
Até agosto, para quando está prevista uma oficina de fechamento, haverá diversos espaços para discussão, incluindo as reuniões dos conselhos de cada unidade. Estes deverão, ainda, aprovar o plano de manejo. Só depois será encaminhado ao Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) para se tornar um documento oficial.

Caiçaras
Grupos coletivos humanos que possuem um modo de vida distinto da sociedade urbano-industrial, as comunidades tradicionais da Jureia mantêm seus traços culturais e reconhecem sua importância, procurando, inclusive, assegurara sua continuidade como legado cultural às futuras gerações.
O patrimônio Imaterial dessas comunidades as congrega com uma mesma identidade cultural. Denominadas como caiçaras, tais comunidades foram formadas pela mescla étnico-cultural de indígenas, portugueses e, em menor grau, escravos africanos.


Receio ainda impera entre as comunidades tradicionais

O início das discussões revela os desafios que se descortinam. Na última quarta-feira, no Centro Comunitário do Guaraú, em Peruíbe , a dúvida imperava em uma oficina sobre o plano de manejo. Além do debate sobre as formas de utilização do mosaico, entre alguns caiçaras, assombrava também o medo pela exclusão na primeira "lista" oficial de quem teria direito a permanecer residindo no mosaico.
Ainda aberta a recursos, tal listagem surgiu no último dia 10, através da Portaria Normativa número 075/2009 da Fundação Florestal, órgão da Secretaria de Estado do Meio Ambiente que gerencia as unidades de conservação de São Paulo. E, para antigos moradores da Jureia que não viram seus nomes incluídos, foi mais um duro golpe, dentre tantos outros que eles e seus ancestrais receberam das autoridades ambientais, desde a criação da estação ecológica, em 1987.
Um deles, Noedir Romão, nasceu há 53 anos na beira do Rio Comprido, em plena Jureia. "Tenho 60 dias para recorrer e vou atrás da documentação para entrar nessa lista".
Integrante de um conselho deliberativo do mosaico, o secretário-executivo da Ong Mongue Proteção aos Sistemas Costeiros, Plínio Melo, pediu à Fundação Florestal a convocação de uma reunião extraordinária do conselho para analisar a lista e comunicou a questão ao promotor de Justiça Fernando Reverendo Vidal Akaoui, da Promotoria Regional. "Os moradores não sabem os critérios da lista.
Com a pouca instrução que têm, estão assustados".
Para ele, o plano de manejo só poderia ser discutido após a definição de quem são os beneficiários.
Presidente da União dos Moradores da Jureis (UMJ), Dauro Marcos do Prado reforça essas críticas. "A portaria foi baixada pela fundação florestal, sem a participação da comunidade através dos conselhos consultivos, como define a legislação do mosaico.
Vamos brigar para que seja feita uma nova portaria".
Conselheiro da entidade, Arnaldo Rodrigues das Neves Júnior acrescentou que os diagnósticos elaborados pelos pesquisadores só foram disponibilizados às comunidades tradicionais seis dias antes e por CD. "Não somos contra o procedimento. Questionamos a falta de acesso", apontou Arnaldo, que defende ainda uma inversão nos trabalhos: "em vez do governo vir com um pacote a ser discutido, a comunidade deveria apresentar suas demandas primeiro, para depois cruzar com os estudos".
HONESTIDADE
De acordo com Kátia Pisciotta a lista era uma reivindicação dos próprios moradores tradicionais e sua elaboração visou "uma honestidade nos diálogos", tendo como parâmetro o cadastro de 1990, feito logo depois da decretação da estação.
"É um instrumento de trabalho que pode ter falha. Por isso, quem não se sentir contemplado pode entrar com recurso".
Sobre a falta de acesso aos diagnósticos, antes das oficinas acontecerem, Tatto comentou que tais estudos foram realizados por mais de 70 pesquisadores, o que resultou em um volume de quase 1.500 páginas. "Seria impossível que as centenas de famílias da Jureia lessem todo esse material, até pela linguagem técnica. Para permitir que a grande maioria das famílias da Jureia se apropriem das informações contidas nos diagnósticos, foram previstas as oficinas".

A Tribuna, 22/03/2009, Cidades, p. A11
UC:Estação Ecológica

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