Nova forma de assistência técnica e extensão rural muda a vida de comunidades na Amazônia

Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia - http://www.ipam.org.br/ - 04/12/2015
O pescador Cornélio Fernando Alminda, 45 anos, vive na comunidade de São Tomé, na Reserva Extrativista (Resex) do Tapajós-Arapiuns, no município de Santarém, Pará. A reserva é dos lugares mais deslumbrantes de toda a bacia amazônica, com enorme biodiversidade e uma incrível oferta de recursos naturais.

Apesar de toda a riqueza, Cornélio, a mulher e sete filhos mantinham-se apenas com atividades de subsistência, baseada na pesca e produção da farinha de mandioca. "A gente se conformava", relata o extrativista.

Mas a conformidade deu lugar a uma nova situação para o pessoal da reserva. A realidade começou a mudar há dois anos, quando algumas comunidade da Resex passaram a receber um tipo diferente de assistência técnica e extensão rural, a Ater, como costuma a ser chamada essa política pública implementada com recursos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

A assistência chegou pelas mãos dos técnicos do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), credenciado pelo Incra para fazer o trabalho. A Ater passou a ter uma pegada que agrega aspectos econômicos, sociais e ambientais para atender à situação diferenciada das comunidades tradicionais da Amazônia.

Com menos de dois anos de trabalho, a comunidade de São Tomé vive um novo ciclo. Após algumas capacitações promovidas pelo IPAM os comunitários olharam à volta e começaram a buscar na natureza soluções para garantir a permanência das pessoas na floresta.

Hoje, 22 comunidades estão envolvidas em arranjos produtivos desenhados a partir da assistência rural e que incluem o aproveitamento de madeiras mortas para a fabricação de móveis, a confecção de biojoias e a extração de óleo e água do coco da praia. Sem contar algumas estratégias de segurança alimentar, que incluem a diversificação da produção agrícola e criação de pequenos animais.

Ainda não dá para contabilizar grandes lucros, mas o ânimo renovado já domina. O entusiasmo foi visível durante a passagem de Cornélio e da educadora que ajuda a implementar o trabalho no campo, Maria Faria, do IPAM, no Seminário Nacional de Boas Práticas de Ater, promovido pelo ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), no início de dezembro, em Brasília.

A experiência do IPAM está dando tão certo que ela fará parte do documento do MDA que servirá de referência para outras comunidades da região amazônica. O caderno Boas Práticas de Ater na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária trará ainda casos de sucesso selecionados em outras regiões do país.

E por aí vai a história de Cornélio, que se repete na vida de mais de mil famílias de 22 comunidades e povos tradicionais da Resex.

Pacto com a floresta

Primeiro é preciso olhar para o fato de que as comunidades e povos tradicionais que vivem na Amazônia vivem numa espécie de pacto com a floresta, em que eles usam os recursos que a mata oferece e, em contrapartida, ajudam a mantê-la em pé. Essa relação com a floresta muitas vezes vem de longa data, como é o caso dos indígenas, que há séculos habitam a região.

"Neste caso, a assistência rural precisa considerar esse histórico e promover modos de uso dos recursos naturais que sejam condizentes com a conservação. Além disso, a reserva é uma área protegida e integra o Sistema Nacional de Unidades de Conservação", esclarece Cássio Alves Pereira, Diretor Adjunto do IPAM.

Segundo ele, o fato de a Resex ser uma área protegida por lei facilita o trabalho. "Hoje as ameaças não são mais os madeireiros ilegais e os grileiros de terra. Estamos em outra etapa. O desafio agora é integrar sustentabilidade ambiental com geração de renda e melhorias efetivas na qualidade de vida das famílias extrativistas", diz.

Para atender à finalidade social e ambiental da reserva, o IPAM procurou entre as comunidades as atividades com maior potencial para gerar renda e segurança alimentar para garantir que as pessoas tenham interesse em continuar a viver na floresta. "Valores como o trabalho comunitário e a solidariedade também são tratados nas oficinas e capacitações, dias de campo e visitas técnicas", explica Alcilene Cardoso, coordenadora do IPAM em Santarém.

Segundo ela, os principais ingressos de dinheiro nas comunidades da Resex vêm de aposentadorias, pagamentos dos professores e as bolsas oferecidas pelo governo, uma política pública muito importante, mas que não chega a promover a desejada ascensão social.

Uma das estratégias do IPAM para gerar renda é o uso dos frutos locais. Nas comunidades de Cametá e Pinhel, o coco da praia é abundante e estava sendo desperdiçado. Depois de algumas capacitações, os comunitários agora produzem o óleo extraído do coco, com aplicação na culinária local e excedente para comercialização. A água da fruta, rica em nutrientes, serve para hidratação de crianças e idosos. Até a casca é aproveitada. O que era resíduo, vira peça de bijuteria.

A fabricação de adornos sempre foi tradição entre os indígenas, Mas a prática andava meio esquecida. Com o incentivo da ATER, as mulheres das comunidades de Jauarituba e Pinhel investem no talento na produção das biojoias feitas a partir de fibras das palmeiras de Buriti e Tucumã, e sementes de açaí, olho de cabra, tento, saboneteira e outras tantas, que são abundantes na reserva.

Em Cametá e Nova Vista, o forte é o reaproveitamento de madeira morta, encontrada na floresta. A partir da matéria prima gratuita, os moradores se esmeram na fabricação de móveis e objetos decorativos que remetem aos elementos da mata, como os animais silvestres. E São muitas as espécies que antes eram descartadas ou usadas para fazer lenha: cumaru, jacarandá, cacaúba, angelim, araraúba.

"Nossa meta agora é organizar a produção, aprimorar tudo e criar um site para vender os produtos da comunidade pela internet", diz a educadora Maria Faria, do IPAM, uma das mais empolgadas do grupo. Ela também quer levar para as comunidades a formação em design gráfico, tudo com recursos da Ater. "Precisamos incentivar os jovens a permanecer na floresta. E eles querem as novas tecnologias", afirma.

E para 2016, mais novidades. A comunidade de São Tomé, onde vivem Cornélio e sua família, deve organizar o Festival da Pescada. Além de valorizar a atividade tradicional da pesca - uma das principais fontes de alimentos das comunidades - o festival abrirá espaço para danças tradicionais, que já estão sendo pesquisadas e ensaiadas. "Precisamos mostrar nossa cultura e nossos valores aos mais jovens", diz a educadora do IPAM.


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