Parlamentares podem até extinguir a Floresta Nacional de Jamanxim

((o))eco - http://www.oeco.org.br/ - 12/03/2017
Em dezembro de 2016, a redução da Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, feita pelo governo Temer através de Medida Provisória, causou indignação entre ambientalistas. Eles interpretaram o movimento como uma rendição aos invasores locais e um sinal de que a estratégia de invadir e pressionar funciona para redesenhar unidades de conservação na Amazônia. No entanto, a redução desta Flona tampouco agradou os ruralistas, que a acharam tímida. Por isso, há um segundo round em andamento, que, desta vez, pode até extinguir a área protegida e transformá-la toda em uma APA (Área de Proteção Ambiental), a categoria mais branda de conservação.

Medidas Provisórias emitidas pelo Poder Executivo são analisadas por uma comissão mista de deputados e senadores e devem ser votadas em um período de até 60 dias, prorrogável uma vez. Através de emendas, eles podem modificar ou acrescentar dispositivos à MP original. A MP 756, que reduziu a Flona Jamanxim, deverá ser votada até o dia 30 de março. Ela dará carona a 15 emendas parlamentares geradas por membros da comissão mista, enviadas antes da sua instalação: 10 delas reduzem ainda mais a área que restou da Flona. Duas mudam outras unidades de conservação: a Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo, no Pará, e o Parque Nacional São Joaquim, em Santa Catarina. Outras duas vão além: propõem alterar a própria lei do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), que rege todas as unidades de conservação. Por fim, há uma emenda que trata da regularização fundiária dentro de APAs (Veja a tabela, no final da reportagem).

No caso das emendas que tentam reduzir ainda mais a Floresta Nacional do Jamanxim, os especialistas consultados pelo ((o))eco vêem uma tentativa de alargar a área de produção agropecuária ao longo da BR 163, que liga Cuiabá-MT a Santarém-PA. No caso das demais, que investem contras outras UCs e o próprio SNUC, vêem um caso de flagrante de inconstitucionalidade.

Comissão

Na quinta-feira (09), instaurou-se a comissão mista, que elegeu para seu presidente o senador ruralista Flexa Ribeiro (PSDB-PA), autor de três das 15 emendas à MP 756. A relatoria ficou com o deputado José Priante (PMDB-PA).

"É verdade que nesta medida provisória ele [o Presidente da República] resolveu o problema das pessoas que estavam dentro da Flona e que não poderiam produzir. Na APA, eles vão poder manter a sua atividade. Mas, ao mesmo tempo em que criou essa APA, diminuiu a área branca, aumentando a APA para cima daqueles que não estavam atingidos", discursou Flexa Ribeiro (PSDB-PA), no plenário do Senado, na terça-feira (07).

A chamada área branca representa o território onde se pode produzir sem limitações impostas por unidades de conservação. A MP 756, agora em questão, desmembrou os 1,3 milhão de hectares originais da Flona Jamanxim. Desse total, 438 mil hectares foram adicionados ao Parque Nacional do Rio Novo. a MP também criou a APA Jamanxim, composta por 304 mil hectares retirados da Flona e outros 238 hectares de terras onde ainda não havia qualquer UC. Ou seja, a nova APA avançou sobre a área branca. Esse é o ponto-chave para entender porque os ruralistas também não gostaram do resultado.

As associações de produtores e os políticos de Novo Progresso protestaram contra o que chamam de limitação ainda maior da área produtiva do município. No começo de fevereiro, eles organizaram um protesto contra a MP 756, que fechou a BR 163 por 48 horas.

Um dos reclamações está relacionada a negócios com frigoríficos. O Ministério Público firmou um acordo assinado por um número substancial de frigoríficos grandes e médios que os impede de comprar carne produzida dentro de UCs, incluindo a categoria APA. Ou seja, quem foi englobado pela APA Jamanxim não pode mais vender gado para frigoríficos.

As 10 emendas que elevam a redução da Flona Jamanxim anulam a transferência dos 438 mil hectares da Flona para o Parque Nacional do Rio Novo e aumentam o tamanho da APA Jamanxim em terras que restaram à Flona. Além disso, querem retirar da nova APA as terras de área branca, que o traçado original abarcou.

Se forem aprovadas, o Parque Nacional do Rio Novo fica do tamanho que estava. O aumento do Rio Novo era uma compensação para a redução da Flona, pois um parque nacional é uma Unidade de Conservação (UC) de proteção integral onde só é permitido a visitação, enquanto que Flonas e APAs são UCs da categoria uso sustentável. As Flonas não permitem propriedade privada, mas permitem exploração de produtos florestais (madeiras, sementes, etc), enquanto as APAs, a categoria de UC mais branda de todas, permitem propriedade privada e produção no seu interior.

A anulação do aumento do Parque Nacional do Rio Novo também atende a demanda de garimpeiros locais que querem continuar acessando um garimpo na vizinha APA do Tapajós, através da Flona do Jamanxim. Se a área se tornar parque nacional isso será proibido.

"Contrabando"

Os deputados Francisco Chapadinha (PTN-PA) e Zé Geraldo (PT-PA) são autores das emendas mais radicais, que propõem extinguir a Flona Jamanxim e transformar integralmente seus 1,3 milhão de hectares em APA. Na sua justificativa, Chapadinha argumenta que 74% do município de Novo Progresso está protegido por unidades de conservação; e que a obrigação de reserva legal para vegetação nativa de 80% da área de fazendas na Amazônia Legal sobrou pouco espaço para expandir a produção. Zé Geraldo é ligado à pequenos produtores. No seu texto, ele diz que a APA de Jamanxim foi criada em cima de uma região em que já estavam instalados milhares de produtores rurais.

Para Ciro Campos, do Programa de Política e Direito Socioambiental (PPDS), do Instituto Socioambiental (ISA), "O que se pleiteia é o direito de desmatar essa área sensível. Quando o governo criou essas unidades de conservação dentro do contexto do asfaltamento da BR 163, o objetivo era impedir a ampliação da área de expansão agrícola em torno da rodovia. O que os parlamentares confessam no texto das emendas é: nós queremos essa área para expandir a atividade agropecuária".

As duas emendas propostas pelo senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) e o deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS) modificam a Lei 9985/2000, que institui o SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação). O texto de Flexa Ribeiro estabelece que a criação de UCs seja condicionada ao aval do estado da federação onde foi criada. Sem essa permissão, nada feito. A proposta de Heinze , ex-presidente da bancada ruralista, acrescenta um parágrafo ao artigo 22 do SNUC, que determina a indenização aos proprietários rurais por lucros cessantes e danos causados pelas limitações ao uso da propriedade, quando ocorrer a expiração do decreto de criação de uma área protegida.

Acréscimo de UCs

Os senadores Flexa Ribeiro (PSDB-PA) e Dalirio Beber (PSDB - SC) apresentaram emendas envolvendo áreas protegidas que não estão na proposta original da matéria.

Flexa quer acabar com a Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo -- a categoria de unidade de conservação mais restritiva do país, que permite em seu interior apenas a realização de pesquisas científicas -- e propõe, em seu lugar, a criação de um Parque Nacional e uma APA (Área de Proteção Ambiental).

Não é a primeira vez que o senador tenta alterar a categoria da Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo através de emenda à Medida Provisória. Em 2011, quando o governo Dilma tentou alterar pela MP542 os limites de três UCs (Parque Nacional Amazônia, Parque Nacional dos Campos Amazônicos e Parque Nacional da Mapinguari), Flexa apresentou a mesma proposta. A MP não foi votada a tempo e caducou.

A emenda do senador Dalirio Beber (PSDB/SC) reduz em 21% o Parque Nacional de São Joaquim e muda o seu nome para Parque Nacional da Serra Catarinense.

Para Maurício Guetta, advogado do ISA, "o Supremo consolidou o entendimento de que não é possível realizar o que chamam de 'contrabando legislativo'", termo que ele usa para descrever a prática de parlamentares usarem emendas estranhas à MP original para defender grupos de interesse. "A prática é comum, infelizmente, mas a boa notícia é que o Supremo Tribunal Federal tem anulado a aprovação desse tipo de emenda, diz Guetta. "É consenso entre os juristas que a redução de área protegida ou extinção de unidades de conservação só pode ser feito através de lei no sentido stricto".

Embora consideradas ilegais, a inclusão de unidades de conservação estranhas ao objetivo de uma MP começou quando o governo Dilma usou o recurso para alterar 7 unidades de conservação na Amazônia com o intuito de facilitar a construção de hidrelétricas na bacia do Rio Tapajós. Na ocasião, uma emenda parlamentar à MP diminuiu também a Floresta Nacional do Tapajós, que não estava na lista original.

Uma Ação Civil Pública, ajuizada pelo então Procurador-Geral da República (PGR), Roberto Gurgel, questiona no STF a constitucionalidade de alterar áreas protegidas via Medidas Provisórias. Segundo o PGR, essas alterações só poderiam ser realizadas por projetos de leis, cuja tramitação segue o curso normal (e mais lento) do Legislativo.



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